Quem gostaria de ser um homem adulto?

Um colega meu de escritório comprou um lote de vários artigos de escritório a uma empresa insolvente. Por 120 euros comprou dois computadores, um écran, duas impressoras, uma moldura com um mapa antigo e um relógio (por acaso, feio como à merda, em tons dourados, uma cena à "Vila Faia", "TV rural", por aí). Ao fim de 6 meses à espera, o material chegou ontem à noite. Hoje esteve a tarde toda a montar as coisas. O seu estado de humor foi mudando ao longo do dia. Começou o dia muito bem disposto mas com o tempo a passar começava a ficar evidente que nada parecia estar a funcionar bem. Ao fim da tarde, já a fumegar de raiva, reparei que estava aos murros ao écran, uma vez que "continua tudo preto, não estou a perceber".

Reconheço. Em bom rigor podia ter ajudado mais. Aliás, podia ter ajudado ponto final. Em vez disso, como bom amigo e homem adulto que sou, ri-me como um selvagem.

Pulha - Não leves a mal. Pelo menos desses 120 euros ainda dá para aproveitar a pilha do relógio. Ou assim.

Ele - (respirando fundo) Não estou a perceber! Não estou a perceber!

Pulha - Lembra-te que com um martelo na mão não há nada que não tenha solução.

Ele - (esforçando-se por não responder a provocações). Mas ontem quando o material chegou eu tinha feito um teste, liguei o écran ao computador e estava a funcionar!

Pulha - É tudo muito estranho. Quem diria que material amarelado já em 4ª mão vindo de uma empresa insolvente poderia vir avariado? Senão puderes confiar num administrador de insolvência em quem é que podes confiar?

Nisto ele perdeu o resto da paciência e começou aos murros ao écran. Mesmo à séria. Nós os homens adultos somos assim. Damos uma oportunidade justa para todos os aparelhos funcionarem bem por sua própria iniciativa. A prática masculina consensualmente aceite para estes casos anda à volta dos 5 minutos. A seguir resta apenas a porrada. Não há manual de instruções. Não é necessário googlar o erro. Não é para levar nada a arranjar. Não há cá reféns nem Nações Unidas. Resolve-se tudo aqui e agora. 5 minutos ou Shit is about to get real.

Eu tive um bocado de pena dele. Afinal de contas já este ano parti uma impressora ao murro por num dia particularmente complicado de trabalho se ter recusado - pela milésima vez - imprimir um envelope, já depois das 21.00 tendo eu que enviar o correio registado obrigatoriamente nesse dia. Aquela HP esteve 5 anos na palhaçada. Umas vezes funcionava, outras nem por isso. Imagino que tenha sido motivo de galhofa várias vezes numa nuvenzinha no céu onde os Deuses praticam a sabotagem da minha vida com completa impunidade. Anyway, essa HP já não vai chegar ao Natal.

Pulha - Não percebo nada de computadores mas estás aos murros ao écran já pensaste que a falha pode estar no computador? Tipo placa gráfica, motherboard, essas coisas. Porque é que não ligas o écran ao outro computador que compraste? Pelo menos experimenta.

Ele olhou para mim, fez um pouco de silêncio. Seria possível que o Pulha tivesse parado por momentos de debitar merda e tivesse produzido uma ideia útil? Ainda para mais resultou. Ele recuperou a fé na humanidade.

Ele - (num tom de voz mais calmo, agastado, de quem acabou de sair de um trabalho de parto prolongado) agora já só pedia um pouco de net, será pedir muito?

Pulha - Ora, ora, para que é que precisas de net? Não sabes perfeitamente que não há Citius?