Usando o pensamento binário das crianças para ajudá-las a aprender.


Esta dica é especialmente eficaz com crianças no estágio que Wallon chamou de "personalismo" e que está próximo dos 3 aos 6 anos, e na fase "pré-categorial", dos 6 aos 9 anos. Durante parte dessas fases, de maneira cada vez mais nítida, o pensamento da criança que conhece o mundo vai separando os conhecimento em "caixinhas" divididas por categorias genéricas em sua mente: cores, animais, formas, pessoas, lugares... perceba que a maioria dos métodos infantis destinados a essa idade funcionam assim, mostrando o conteúdo dividido em categorias bem distintas e abrangentes. Numa fase posterior essas categorias vão ficar mais refinadas e detalhadas, mas durante muito tempo a criança apreende melhor através dessas "caixinhas mentais".

Outra característica predominante nessas idades é que a dinâmica do pensamento é binária: ela estabelece um dualismo para com os objetos mentais, separando-os em pares. Traça relações de contraste, de parentesco, de identificação, diferenciação e de oposição, por exemplo: grande-pequeno, branco-preto, rápido-lento, dentro-fora, em cima-em baixo, direita-esquerda, à frente-atrás, cheio-vazio, aberto-fechado, bom-mau, bonito-feio, etc. Enquanto no pensamento adulto o pensamento segue um encadeamento lógico, no pensamento binário infantil é mais fácil contrapor atributos para identificar algo ou construir uma noção. Assim, a criança busca um termo complementar para achar o nexo entre os pares, nexo que nem sempre é lógico, ao contrário do que acontece com o encadeamento do pensamento adulto, cujo nexo pode ter como elo infinitas características lógicas que se relacionam não necessariamente aos pares, mas como uma rede ampla interligada entre si. Há uma clara definição do todo e de suas partes. Já a percepção da criança é global, e às vezes o real e o sentimento se confundem. A abstração é uma tarefa muito difícil e às vezes impossível de realizar.
Em termos práticos, como podemos utilizar essa estrutura de pensamento em favor do aprendizado da criança? Muitas vezes, durante o processo de alfabetização, que ocorre justamente nessa faixa etária, a criança se depara com dificuldades para assimilar alguns conceitos, e nem mesmo ela sabe porquê. Cabe ao educador - professor ou pais:
1 - Perceber a dificuldade e isolá-la;
2 - Contrapor essa dificuldade em par com algo que se relacione com ela;
3 - Apresentar o desafio à criança na forma de uma escolha binária: ou esta opção ou aquela.

Seguem algumas fotos para ilustrar um pouco dessa experiência aqui em casa:

Números ou letras? No estágio inicial da alfabetização essa diferenciação simbólica é fundamental. Dê dois potes para a criança e peça que ela coloque números em um e letras em outro.
Sessenta ou setenta? Na hora de nomear as dezenas, é comum as crianças "empancarem" nesses dois, confundindo-os por causa da semelhança fonética. Aqui eu pedia para Rafael me dar o 60 ou 70, e cada vez que ele acertava ganhava um lápis colorido, representando um ponto. Depois de jogar assim umas três ou quatro vezes ele não confundiu mais os números.

Começando a conhecer as letras minúsculas, eis que aparece esse problema de lateralidade: b ou d? Cada vez que ele apontava corretamente para a letra que eu falava, podia encher seu baú com o "tesouro" (pedrinhas plásticas imitando pedras preciosas). O mais interessante é perceber que enquanto você gasta dias e dias (quiçá meses!) tentando explicar a diferença entre as letras para a criança, diante de um desafio assim ela CRIA as próprias estratégias para diferenciá-las, com o mínimo de intervenção da sua parte.O mesmo pode ser feito com outras letras como p e q, os números 2 e 6 (o dois cursivo parece com o 6), etc.

GA, GO, GU x GE, GI. Expliquei que quando o G vem junto com as vogais A, O e U, ele fica "forte" (fiz o som do G gutural) e quando vem junto com as vogais E e I, ele fica "fraco" (fiz o som do G palatal). Pedi que ele "capturasse" sílabas fortes ou fracas com seu "super laser" (um brinquedo que emite uma luz vermelha e som de raio), conforme eu ia falando as sílabas aleatoriamente. Quando errava a sílaba "fugia", quando acertava ele levava a sílaba para o lado dele. No final, coloquei novamente as sílabas "que fugiram" para ele tentar capturá-las: nesse tipo de jogo a criança deve sempre ganhar, de um jeito ou de outro. O mesmo exercício vale para a "família silábica" do C.

Esses são apenas alguns exemplos: as possibilidades são inúmeras, basta colocar as dificuldades em termos que a criança possa lidar de maneira simples, de acordo com sua forma de pensar.

Fonte para saber mais:
Desenvolvimento Psicomotor e Aprendizagem - Vitor da Fonseca - Editora Artmed
Dê uma olhada no sumário do livro e perceba a importância da leitura dele para compreender a mente, o desenvolvimento e o comportamento dos nossos filhos.
Há uma boa parte do capítulo sobre Wallon (de quem sou grande fã) disponível AQUI e AQUI

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