Podemos falar de cancro?








(aqui)

(Força nisso, Áurea)

Eu vi, eu senti, eu testemunhei já várias vezes como o cancro devasta indivíduos e destrói famílias. Destrói famílias - e não falo apenas de famílias de sangue, falo de pessoas que têm amor entre si - na sua componente mais essencial: a ligação dos seus membros, membros que estavam feitos para estar juntos, unidos como um só corpo. Leva não poucas vezes a uma morte lenta, não só dos indivíduos mas das próprias famílias. Quantas pessoas nunca mais "bateram bem" desde a morte de alguém? A impotência na altura de ajudar. A ausência de explicações. Um Deus que nunca esteve lá. Medicamentos e tratamentos, frequentes vezes vagos ou abstractos. Corredores de hospital. Consultas. Ver os nossos por tubos. Ouve-se dizer por aí que a SIDA é a doença do século, que esta e aquela doença vão ser epidemias ... caríssimos, já olharam bem para o cancro? O cancro tem aumentado em número absoluto e em número relativo. Não há cura para o cancro, pode é ser retirado e não haver mais metástases, ou impedir-se a sua evolução (retardar?). Curvo-me em respeito por quem aceita trabalhar nesta área. Por quem aceita tentar ser útil. E sobretudo por quem o enfrentou com tudo.

Sou sensível nalgumas coisas mas não sou fácil de me emocionar. Somos todos máquinas com desgaste no material, ninguém estará cá para sempre tal como ninguém já hoje resiste a tudo. O que me assusta, para mim e para os meus, não é tanto o morrer, é o definhar. Para mim, é a negação da vida, que, contudo, continua a ser em si bela.


"Nunca pensei na morte. Para mim, estava fora de questão. E nunca tive medo. Sempre pensei em ir em frente, acontecesse o que acontecesse. Os outros, o medo deles, foi o que mais me incomodou. A minha mãe teve cancro da mama, o meu pai teve cancro da bexiga. Quem sofre é quem está do outro lado. Quando se está dentro pode lutar-se. A doença muda algumas coisas em nós, mas para mim não há um antes do cancro e um depois do cancro. O que mudei foi passar a viver mais para mim. E deixei de esperar o que quer que seja. Tudo o que vier é bom, mas não tenho expectativas. Não vejo isto como uma fase negativa da minha vida, vejo como uma fase. Ponto. Aconteceu-me a mim como podia ter acontecido a qualquer pessoa. Porque não eu? Há quem pergunte “Porquê eu?”. Mas porque não pensar ao contrário? Ao fim e ao cabo isto não pode ser nenhum castigo divino, porque se fosse não havia crianças doentes nunca, não é? Sempre fui uma pessoa positiva e continuo a dizer que temos de ver o lado bom das coisas más — isso ajuda muito."
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