TODAY’S SOUND: ROBERT ALTMAN POR ARTHUR MENDES ROCHA

Esta semana falaremos de alguns diretores de cinema, verdadeiros mestres da sétima arte que já nos deixaram, mas cujos filmes estão aí para provar que eles são eternos. Hoje falo sobre Robert Altman, que nos deixou em 2006, mas que faz muita falta, pois seu estilo era único dentro do cinema americano moderno.

O que mais eu admirava nele era que ele não tinha medo de arriscar - sua carreira foi assim, cheia de altos e baixos, de apostas que acabaram não dando resultado, mas nas quais ele acreditava e procurava não ir contra seus instintos artísticos. O cinema entrou por acaso em sua vida, já que ele não cursou uma faculdade de cinema e sim se apaixonou pelos filmes ao retornar do serviço militar. Natural do Kansas, ele se muda para a Califórnia, onde seu pai estava residindo.
Seu vizinho George W. George era roteirista e juntos eles escrevem a história que originaria o filme “Bodyguard” (O Crime da Estrada), produção de RKO de 1948. Mas ele não estava satisfeito em não puder participar mais ativamente dos filmes e resolve voltar para sua cidade natal onde trabalha na produtora Calvin & Co. É lá que ele vai aprender o ofício de fazer cinema, realizando mais de 60 pequenos filmes corporativos – roteirizando, editando e dirigindo.
Em 1957, ele escreve o roteiro de um filme “The Delinquents”, que acaba sendo visto por Alfred Hitchcock. Hitchcock o convida para dirigir um dos episódios da série de TV, “Hitchcock presents”, onde dirige dois episódios, incluindo “Together”, com Joseph Cotten. No ano seguinte, Altman arranja um agente e este lhe consegue um trabalho como diretor na série “Whirlybirds – the story of sister Bridget”. Num dos episódios, ele conhece Kathryn Reed, que viria a ser a sua esposa até o final de sua vida.
De 1958 a 1965, Altman dirigiria várias séries como “Bonanza”, “The Roaring Twenties”, “U.S. Marshal”, “Peter Gunn”, “Bus Stop’, “Combate”, entre muitas outras, se tornando um dos diretores tops da televisão americana. Foi num episódio da série “Combate”, intitulado “Surviving”, que ele resolveu dar um toque mais pessoal e realista, porém o produtor do seriado não queria que este fosse ao ar e quando este viajava, Altman permitiu que o episódio fosse ao ar e acabou sendo demitido.
Ao dirigir um episódio da série “Kraft Suspense Theatre”, ele insiste para que o protagonista fosse um ator negro, porém os estúdios não concordam e ele abandona a televisão. Agora seu objetivo era dirigir seus próprios filmes e estórias. O primeiro que dirige é “Countdown” (No Assombroso mundo da Lua), de 1968, produção da Warner estrelando atores como James Caaan e Robert Duvall. O chefe do estúdio, Jack Warner, não queria sua contratação. Ao assistir algumas das cenas do filme, Warner resolve proibir a entrada de Altman para completar o filme, alegando que este havia utilizado cenas com dois ou mais atores falando ao mesmo tempo.
Em 1970, Ingo Preminger, produtor e irmão de Otto, o convida para dirigir “M.A.S.H.”, roteiro este que já havia sido recusado por vários diretores, entre eles Kubrick.
A Guerra do Vietnã estava acontecendo, tanto Altman quanto os executivos não desejavam fazer apenas mais um filme de guerra como os demais.
Altman foi buscar artistas desconhecidos na época, usando membros de um grupo de teatro de São Francisco, tudo para dar ao filme um aspecto mais real e ao mesmo tempo engraçado. O filme acaba se tornando um grande sucesso (originando uma premiada série de TV, da qual Altman não teve envolvimento), pois se mostra uma sátira inteligente sobre uma guerra sem objetivo. Seus atores como Donald Sutherland e Elliot Gould acabam famosos também.

Altman dirige Gould e Sutherland em “M.A.S.H.”

“M.A.S.H.” conquista a desejada Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1970 e o nome de Altman se torna cada vez mais conhecido e disputado. O próximo filme dele seria “Brewster McLoud” (Voar é com os pássaros), um pequeno e estranho filme, que dava espaço mais para a experimentação do que uma narrativa linear.

Altman nos bastidores de “Brewster McLoud”

Em 1971, ele opta por mais um filme diferente, “McCabe & Mrs. Miller”, filme estrelado por Warren Beatty e Julie Christie, que brinca com as antigas convenções dos filmes de faroeste, unindo um jogador e uma prostituta, no que podemos chamar de um anti-western.

Altman dirige Beatty e Christie em “McCabe & Mrs. Miller”

Altman passa a trilhar um caminho completamente diferente dos outros diretores americanos, com filmes mais pessoais, sem a preocupação de agradar os estúdios e o público com estórias apelativas ou com retorno financeiro garantido. Até meados dos anos 70, ele faz filmes pequenos e interessantes, com movimentos de câmera criativos e utilizando ângulos inusitados, mas que não fazem sucesso comercial.

Altman começa a utilizar recursos como a gravação de sons em diferentes canais, de forma que o espectador pudesse escolher que conversa ouvir quando um grupo de mais pessoas estivessem falando. Ele queria que o espectador se sentisse em uma cena real, com os sons que fazem parte desta realidade. Até que em 1975, ele dirige “Nashville”, uma de suas obras-primas, um calidoscópio de um grupo de pessoas que frequentam o festival de música country de Nashville, um dos primeiros filmes que utilizam diversos personagens que se entrecruzam em algum momento, estilo que diretores como Tarantino, Iñárritu e Paul Thomas Anderson se inspirariam anos mais tarde.
O elenco variado incluía nomes como Shelley Duvall, Karen Black, Ned Beatty, Keith Carradine, Lily Tomlin, atores que passavam a fazer parte do seleto grupo que ele criava para cada filme, eles são a parte mais importante de seus colaboradores e Altman desejava que eles se sentissem a vontade, como se fossem parte de uma família. O filme acabou vencendo o Oscar de melhor canção para ‘I’m easy”, interpretada por Keith Carradine.
Ainda nos anos 70, ele realiza filmes como “3 Women” (Três mulheres), um dos filmes que mais gosto dele e que é pouco falado; mas é um belíssimo filme sobre o encontro de três mulheres que se envolvem com um mesmo homem e que mereceu uma incrível edição da Criterion Collection.
Outro filme realizado por ele é “The Wedding” (Cerimônia de Casamento), sucesso de público e crítica com uma divertidíssima estória de vários convidados que se entrecruzam em um casamento, com um elenco sensacional que incluía Mia Farrow, Carol Burnett, Vittorio Gassman, Nina Van Pallandt, Dina Merril e até a estrela do cinema mudo, Lilian Gish.

Altman com Lilian Gish e Lily Tomlin

Porém, seus filmes seguintes se mostram novos fracassos de bilheteria e para completar, sua versão para “Popeye”, de 1980, acaba se tornando um grande prejuízo para o estúdio, devido aos altos custos de produção, incluindo acidentes naturais durante as filmagens.

Altman não se adaptava aos filmes que os grandes estúdios desejavam realizar, pois queriam blockbusters e o estilo dele era contra este tipo de filme, ele não se sentia como parte desta Hollywood que só visava o lucro através de filmes vazios. O nome de Altman estava passando por um momento difícil e complicado, sem trabalho, ele teve que vender seu pequeno estúdio, a casa de Malibu, se muda para NY e resolve fazer teatro. Ele monta pequenas peças num pequeno teatro off-Broadway e as adapta para o cinema como “Come back to Five & dime, Jimmy Dean Jimmy Dean” (com Cher, Karen Black e Sandy Dennis) e “Screamers” (com Mathew Modine).
Em meados dos anos 80, ele resolve se mudar para Paris e dirige pequenos filmes com dinheiro europeu, entre eles “Fool for love” (Loucos de Amor), baseado numa peça de Sam Shepard e estrelado pelo próprio mais Kim Basinger.
E também pequenas obras para canais de TV a cabo, que lhe davam a liberdade criativa que ele sempre almejou. Altman voltava a TV que lhe consagrou nos anos 60 e realiza com a HBO uma sátira política que mudaria os rumos da TV tradicional: “Tanner 88”, com Michael Murphy. A série lhe rendeu o Emmy de melhor direção. As coisas pareciam estar melhorando para ele e isto se comprova com seu próximo projeto: “The Player” (O Jogador), em 1990.
O filme era uma crítica mordaz ao “Hollywood way of life”, centrado na figura de um executivo de um grande estúdio, capaz de tudo para se dar bem; com um elenco encabeçado por Tim Robbins, além de Greta Scacchi, Fred Ward, Whoopi Goldberg e também várias participações de atores famosos nos papéis deles mesmo. O plano inicial de “The Player” já entrou para os momentos inesquecíveis do cinema, com oito minutos de duração, sendo que não estava no roteiro e o diálogo foi todo improvisado pelos atores. Opening scene from The Player (1992) from Single Shot Film Festival on Vimeo. O filme foi como um renascimento para Altman, trazendo o nome dele de volta à mídia, com ótima recepção de público e crítica, além do prêmio de melhor direção no Festival de Cannes. Logo em seguida, ele roda “Short Cuts”, filme baseado em várias estórias de Raymond Carver (autor recentemente utilizado na peça dentro do filme “Birdman”) e com grande elenco, que também faz sucesso. O filme é um exercício de sensibilidade e direção segura, com estórias que acontecem em diversas partes de L.A. e que podem ou não terem alguma ligação.
Durante os anos 90 e início dos 00, Altman dirigiu filmes como “Prêt-à-Porter” (sobre a cena fashion), “Kansas City” (sobre jazz), “A Fortuna de Cookie”, entre outros. Foram filmes simpáticos, mas nada que se comparassem a suas obras de maior prestígio. Isto só veio a acontecer novamente em 2001, quando ele filma ‘Assassinato em Gosford Park”. O filme é uma delícia de se ver, com o brilhante roteiro de Julian Fellowes (que anos mais tarde criaria “Downton Abbey”), que fala de um assassinato que ocorre em uma mansão inglesa nos anos 30, colocando patrões e criados em torno de um jogo de desconfiança, intrigas, mistérios; é uma ótima volta a forma de um grande diretor.
Ele conquista o Globo de Ouro como melhor diretor daquele ano. O filme quase não saiu do papel, pois tinha um final em aberto, mas os atores ingleses fizeram questão de participarem com o menor cachê possível, só para poderem trabalhar com Altman.

Altman dirige Kristin Scott-Thomas em “Gosford Park”

Porém, ele vinha enfrentando problemas de saúde, tendo um mini-infarto, além de ter sido proibido de beber álcool, uma de suas paixões. Ele faz um transplante e passa bem, ficando um ano afastado de tudo e com receio de não ser contratado para mais filmes.

Em 2006, depois de anos esnobado pela Academia (que nunca havia lhe dado um prêmio), ele é convidado a receber o Oscar honorário, apresentado por Meryl Streep e Lily Tomlin (atrizes de seu último filme, “A última noite’), fazendo um emocionado discurso e sendo aplaudido de pé.
Altman trabalhou até o fim de seus dias, escolhendo locações para aquele que seria o seu 40º filme. Porém ele foi diagnosticado com câncer e veio a falecer em 2006.

Poster do doc sobre Robert Altman

Recentemente, foi lançado um lindo documentário sobre sua vida, com narrações em off dele e da esposa, contando alguns dos momentos mais marcantes de sua carreira. Abaixo vemos o trailer do doc:

Sua paixão pelo cinema e os filmes que realizou, mesmo com altos e baixos, mostram um diretor seguro, um profissional que acreditava nos seus ideais, que gostava de fazer os filmes que lhe viessem à cabeça; concordando ou não com seu estilo, a maneira de filmar, os diálogos, os atores, o que importava era que o resultado fosse aquilo que ele havia

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