Pimba-me mucho




Julgo que nunca vos contei daquela vez em que eu tinha um programa de rádio Pimba. Ganhei a pulso o nome de Norberto Garcia, era o herói do microfone. A minha voz era nasalada, a alegria radiofónica nunca me permitia falar de assuntos sérios. O meu estúdio era o meu santuário, devidamente forrado com posters do Benfica dos tempos do Chalana e alguns números mais ousados da Playboy. Assim que a conversa descaia para a religião ou temas políticos eu rapidamente punha discos. Emanuel, Quim, até o pequenino Saúl, todos esses príncipes do bailarico e da língua Portuguesa torcida. Se calhava ouvir o "Ser Benfiquista", emocionava-me facilmente. Os meus ouvintes amavam-me e eu aprendi a conhecê-los a todos pelo respectivo boletim clínico.

- Bom dia, Rogério, como vão essas pedras nos rins? (e mandava a tal pequena gargalhada pelo nariz, António Sala meets José Carlos Malato)

Ou então a nossa plataforma de entendimento era apenas a metereologia, esse tema que nunca falha aos tugas.

- Olá bom dia, como se chama?

- Arlette, com dois "t", e estou a ligar para dizer que hoje aqui em Zurique acordou o dia muito cinzento. Putain.

O meu programa era uma espécie de Boião da Cultura mas para negativos, como no King. A minha remuneração era ligeiramente económica e sobretudo em espécie. Leitões, porcos, aves, couves, maçãs gold, descontos na compra de tractores. Era o rei dos coupons. Fora os extras. Foi num desses extras que ela me entrou pelo estúdio a dentro. O seu nome artístico não me recorda, o seu nome de baptismo não era importante, a sua qualidade musical nunca chegou a ser um problema. Vinha para apresentar o seu novo CD, produzido na garagem do primo que estava vazia desde que o primo tinha começado a cumprir tempo por uma complicação qualquer, sem dúvida muito injusta. Talvez por isso vários dos seus temas envolviam as autoridades e, disso lembro-me bem, havia pelo menos um refrão que repetia "o cacetete de um polícia".

Fosse como fosse assim que olhámos um para o outro naquele estúdio apertado estava claro que a música era outra. Pouco depois de a introduzir aos ouvintes levei com uma mama na cara, e a seguir outra. Senti em directo cabelos platinados a entrar na minha boca e um odor intenso de perfume barato lançado a partir do meu colo onde ela entretanto se posicionara estrategicamente. Com ela não haveria tempo para nos conhecermos melhor.

- És tão pimbinha, Garcia. Mostra-me o teu microfone.

Nessa manhã os meus ouvintes devem ter estranhado ouvir duas vezes de seguida um álbum inteiro de uma artista que nunca tinham ouvido e que nunca mais viriam a ouvir. O pior é que também nunca mais me ouviriam a mim. Fui despedido. Em minha defesa, direi apenas que sou um patriota, caí em nome da mama nacional, não há cá nada de importações. Infelizmente, o meu nome estava queimado no meio e não não tive outro remédio que não fosse tornar-me num jornalista sério na TSF, a falar da bolsa e do trânsito da manhã no tabuleiro da Ponte. Perdi o meu mojo radiofónico. Em vez disso o meu léxico passou a incluir combinações como "via de cintura externa", "nó do Aeroporto", "no sentido de Pina Manique". Pode ter sido apenas delírio mas há dias iria jurar que a vi passar num Pingo Doce em Óbidos, ou pode ter sido a mera nostalgia de ver expostos todos aqueles produtos hortículas no mesmo sítio. Sei apenas que por precaução médica estou proibido de ficar até tarde nos Santos Populares.

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