Compasso da paixão


ROMANCE CONTEMPORÂNEO
Helen fechou os olhos, enquanto seus dedos corriam sobre o teclado.
A melodia a transportava para um mundo de poesia e mistério, como aquele país exótico e cheio de contrastes onde se encontrava. Quando poderia sonhar que um dia iria se apresentar no sultanato de Oman, tocando no deserto? De repente, como atraída por um apelo invisível, levantou a cabeça... Sim, lá estava ele. O homem que todas as noites vinha ouvi-la, o belo desconhecido que permanecia até que o show terminasse, a fitá-la de um modo profundo, enigmático!

Capítulo Um
Em meio aos acordes de uma conhecida canção folclórica americana, Helen Harrell estremeceu e quase errou o compasso. O homem havia chegado. Com os olhos fixos nas teclas do piano, sobre as quais seus dedos deslizavam com a maestria de uma veterana, ela suspirou, tentando controlar as batidas aceleradas do coração . Não o vira entrar no saguão do hotel, mas, ainda assim, de algum modo sabia que ele se achava lá. Discretamente, Helen ergueu o rosto para a plateia. Sim, lá estava ele, o mesmo homem alto e forte que sempre aparecia quando ela começava a apresentação. Com os braços cruzados, o chapéu jogado para trás, ele a observava atentamente. Quem seria aquele homem?, Helen perguntou-se, desviando o olhar e voltando a se concentrar na música. Quando o vira parado naquele canto pela primeira vez, há vários dias, não lhe dera importância. Notara apenas que o chapéu surrado, a camisa caqui de mangas curtas e as calças amassadas faziam-no parecer Indiana Jones, o aventureiro das fitas de cinema. Agora, porém, ele lhe dava a impressão de ser um caçador vigiando a presa. A cada noite, Helen se sentia mais e mais como um animal sendo cercado. Ele a fitava com um ar obstinado, mas seu olhar não era o de um admirador, como os que ela reconhecia nos rostos masculinos da plateia, onde quer que se apresentasse. Não, o homem observava com cuidado e desconfiança, como se ela fosse um animal selvagem, perigoso e imprevisível, que tinha de ser capturado a qualquer custo. Na pausa entre uma melodia e outra, Helen arriscou outra olhada rápida para o homem, que continuava imóvel. A pele bronzeada e os cabelos escuros que lhe caíam descuidadamente sobre a testa eram típicos dos árabes, ela constatou. Mas se ele fosse mesmo natural do Sultanato de Omã não deveria estar usando túnica e turbante, em vez daquelas roupas ocidentais, amassadas e sujas de lama? Além disso, os árabes daquela região sempre usavam barba e bigode, ao contrário daquele desconhecido, cujo rosto másculo parecia ter sido barbeado ainda naquela manhã. Não, ele não era um árabe típico daquele país. Mas, por outro lado, também não se parecia com os vários executivos ocidentais que ocupavam as mesas do saguão, sorvendo drinques, muito atentos ao recital. O homem tinha uma certa elegância, sem dúvida, mas suas roupas estavam num estado deplorável. Sua presença era uma nota aguda e dissonante entre os hóspedes bem vestidos do hotel. Quem seria, afinal? Helen, voltou a perguntar-se, sabendo de antemão que a resposta continuaria a ser uma incógnita. Um mercador de escravas brancas, talvez?, cogitou, rindo de si mesma por aquela suposição absurda. Pontual como um relógio suíço, ele havia aparecido às seis horas todas as noites, desde que Howard, o violinista e primo de Helen, com quem ela formava a dupla Harrell, partira para a Inglaterra. E ali estava Helen, sozinha, naquele país estranho, começando a ficar assustada com um desconhecido. Por que não se aproximava dele, no final da apresentação, e não lhe perguntava, de uma vez por todas, o motivo daquela vigilância? Não saberia dizer.


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