Resenha: Dom Casmurro em quadrinhos


Título: Dom Casmurro Autor: Machado de Assis Adaptação — Roteirista: Felipe Greco Ilustrador: Mario Cau Editora: Devir Número de páginas: 234 Classificação pessoal: ♥♥♥♥♥ (excelente)
O amor que atravessou barreiras e promessas não foi capaz de responder uma única, deliciosa e intrigante dúvida. A obra machadiana Dom Casmurro volta a nos consumir em uma versão mais atual, expressiva e direta. Agora, em quadrinhos. Em mais de duzentas páginas preto e brancas, somos convidados a voltar no clássico de 1899, em figurinos, cenários e contrastes (gráficos e emocionais), que tornam a obra tão rica. O resultado é a união do trabalho e talento do ficcionista Felipe Greco junto ao quadrinista e ilustrador Mario Cau, que supriu nossa imaginação com a belíssima Capitu e os tão famosos olhos de ressaca.
Especialmente àqueles que desconhecem a história, ‘Dom Casmurro’ é narrado pelo ex-seminarista Bento, que vivia em Matacavalos com a bondosa mãe D. Glória, o tio viúvo Cosme, a prima (também viúva) Justina e o agregado José Dias. Antes de Bento (ou, Bentinho) nascer, Dona Glória havia perdido seu primeiro filho, e fez uma promessa que se Deus lhe concedesse um filho, este iria ao seminário, a fim de se tornar padre. Bento foi lembrando da promessa aos quinze anos e, nutrindo uma amizade que se transformou em amor pela vizinha Capitu, começou a lutar (junto dela) para evitar a provável separação. De todas as lembranças daquele tempo, creio que a mais doce é a do primeiro beijo, que me revelou a mim mesmo. (página 43) O romance que crescia, entre eles, trazia medo e sofrimento em relação ao seminário. Certo dia, portanto, juraram um ao outro que se casariam. Entretanto, Bento acabou indo para o seminário e lá conheceu Escobar, que se tornou um grande amigo. Aos sábados, porém, voltava a sua casa para ver seus familiares e Capitu. Logo, Escobar também passou a frequentar sua casa (foi aprovado pela família de Bento, e veio a conhecer Capitu). Com a amizade mais madura, Bento e Escobar trocavam seus segredos e revelaram um ao outro a decisão de não se tornarem padres. Algum tempo depois, Bento acabou abandonando a promessa, e D. Glória tomou um orfão, encaminhado-o ao seminário. Aos vinte e dois anos, Bentinho era bacharel em Direito. Casou-se com Capitu sob aprovação de sua mãe, e mudou-se para a Tijuca com a esposa.
Escobar, seu grande amigo, casou-se com Sancha, uma amiga muito próxima de Capitu, e logo foi pai de uma menina. Os dois casais mantinham a amizade em jantares e reuniões. Bento não teve a mesma sorte de constituir uma família completa, e desejava muito um filho. Um tempo depois, acabou concretizando seu sonho ao nascer Ezequiel. Durante todo seu crescimento, Bento acompanhava seu filho se tornando cada vez mais parecido com o amigo Escobar, e, tomado pelo ciúme e a dúvida, se mantinha cada vez mais afastado do filho. Nem só os olhos, mas as restantes feições, a cara, o corpo, a pessoa inteira, iam se apurando com o tempo. (página 194) Afinal, teria Capitu traído ou não o marido? Esse é um dos pontos marcantes do romance. Capitu, um amor regado desde a infância e que germinou num casamento na fase adulta, teria traído o ex-seminarista com o melhor amigo, Escobar? (página 5)
Da mesma forma em que Machado de Assis não responde a essa dúvida, Felipe e Mario mantém a fidelidade do autor ao adaptar Dom Casmurro aos quadrinhos, sugerindo pistas que, no fim... Nada comprovam. Os ciúmes do protagonista são argumentos que sugerem uma leitura nublada de seu olhar passional sobre o tema. Talvez seja por conta disso que ele enxergue o rosto do amigo no filho, Ezequiel, principal ‘prova’ do relacionamento subconjugal de Capitu. Mas fica no ar a dúvida, cirurgicamente operada pelas palavras de Machado de Assis. (página 6) O artista Mario Cau ilustrou Ezequielo personagem que, aos poucos, ganha a relevância na narrativa ao tentar responder o mistério — com traços de vários personagens para manter a dúvida do clássico intacta. Uma das ideias, que merece ser registrada, foi mesclar, compor Ezequiel com traços tanto de Capitu quanto de Bento e Escobar. Mescla visual que ajuda a manter o ar de ambiguidade. Nas palavras do desenhista, “estão lá os olhos da Capitu, o cabelo do Escobar, o nariz de Bento”. (página 6)
As mais de duzentas páginas são divididas em cinco partes, compondo os principais momentos da vida do narrador Bento: promessa, namoro, seminário, casamento e separação. Em cada uma delas, os autores introduzem o assunto com uma frase de reflexão (de Shakespeare, Marcel Proust, Caio Fernando Abreu, Arthur Rimbaud e Clarice Lispector) - um detalhe que trouxe sensibilidade e contextualizou super bem as emoções do personagem. As ilustrações em preto e branco ganharam cenários escuros, de fundo preto ou sombreado mais forte nos momentos de dor, angústia ou grande emoção, e enriqueceram as diferentes fases da vida de Bentinho (que, de fato, tornaram-se mais pesadas ao passar do tempo).
Dom Casmurro em quadrinhos é um projeto realizado com o apoio do Governo do estado de São Paulo, Secretaria da Cultura e Programa de Ação Cultural 2011, e rendeu ao ilustrador Mario Cau dois prêmios Jabuti, o mais importante da literatura brasileira. A versão adaptada é um ganho e uma extensão ao clássico, que intriga e emociona, senão de forma igual, ainda mais. ♥

Vocês já leram algum clássico adaptado aos quadrinhos?
Será que eu amava Capitu, e Capitu a mim? Comecei, então, a recordar nossos gestos e palavras... (Felipe Greco e Mario Cau, trecho da adaptação em quadrinhos do livro ‘Dom Casmurro’, página 15)


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