Conto | Amor na urna


(um breve blábláblá antes do conto) Algumas inspirações me cercaram no último domingo, quando trabalhei como mesária pela segunda vez consecutiva com uma colega de infância (que também havia trabalhado comigo em uma eleição anterior). Algumas causalidades me levaram a imaginar uma história entre ela (essa colega) e um eleitor (que já havíamos encontrado...). O que se segue é, portanto, um romance entre a Mari e o Marcelo. Os nomes são fictícios, para preservá-los, enquanto as características físicas, outros detalhes, falas e descrições são reais. Talvez - muito provavelmente - eles nunca lerão esse texto ou nem tampouco saberão desse blog; Mas também, um outro talvez me coloca ao pensamento de que o destino poderá os unir e então, indiscutivelmente, serei a madrinha-cupido do casamento. ‘Eu aceito!’... Quer dizer, ser mesmo a madrinha.

Ilustração de Carole Wilmet
elegeria-me à ti dois, quatro anos setes dias ou mais que fosse caso o acaso me pusesse a segundas quartas ou uma única chance de te reencontrar
Não é como se eles nunca tivessem se visto antes. Naquele mesmo lugar, há dois anos, trocaram um olhar ou dois. O papo não se estendeu as formalidades que cabiam à ocasião. ‘Boa tarde’, ‘boa tarde’, ‘posso ver seu documento?’, ‘obrigada’, ‘pode votar’, ‘tchau’, ‘tchau’. Não tinha nada de ‘até logo’ e nem deveria ter. Mas teve. O ‘até logo’ implícito cumpriu o seu papel dois anos mais tarde, quando voltaram a se encontrar.
Dessa vez foram menos as palavras. ‘Pode votar’, ‘boa tarde’, ‘boa tarde’. Um rápido olhar de relance ou dois, para não constranger ninguém. Ficou por isso mesmo.
Ela de um lado. Cabelos castanhos escuros ondulados, com as pontas pintadas de louro. Uma pintinha brilhante no nariz que poderia ser partículas de glitter prata caso não fosse o piercing mesmo. Sorriu nervosa quando viu que ele vinha ao longe, meio desajeitado, carregando um capacete enquanto caminhava. No fundo, temia que ele não desse as caras. E quem podia prever?
Mas ele veio.
Ela conferiu a identidade dele às informações dispostas no caderno do Ministério Público Eleitoral. Fingiu que não reconhecia o nome, embora nunca tivesse esquecido. Marcelo Starr (e a assinatura era mesmo uma estrela, caso você esteja se perguntando). Nome de artista, ela pensava, e ria das próprias frivolidades.
Do outro lado, ele. Pele branca, beirando a palidez, que contrastava às bochechas naturalmente coradas que poderiam ser vergonha, mas não era. Um amontoado de tatuagens de um lado cobria a superfície dos músculos e o monte de cores da tinta evidenciava a claridade da pele. Poderia ser modelo - de passarela ou de revistas que faturam, mensalmente, mais do que uma pessoa pertencente à classe média ganha em 5 anos, tanto faz, mas estava mais para modelo de catálogos de roupas de academia ou banners de lojas de suplementos -, até estender a carteira de identidade militar, de repente, fazendo valer toda a necessidade daqueles músculos. Ele quase deixou clara a sensação de que a conhecia de algum lugar, porém, não sabia se era balada ou sonho. Poderia estar bêbado demais, na ocasião, para se lembrar agora. Talvez fosse isso.

Ilustração de Wendy MacNaughton
Ela, no entanto, se lembrava de tudo. Perfeitamente. Mari afastava as mechas onduladas que insistiam em cair sobre o rosto, trôpega em pensamentos distantes.
Era eleição, é claro.
Há dois anos, naquela mesma escola e seção, encontraram-se pela primeira vez. Ela mesária, ele eleitor. Tinham a mesma idade, ela se lembrou de conferir, naquele primeiro encontro, antes de entregar-lhe o pequeno comprovante eleitoral. Tinham a mesma idade, ela se lembrou na segunda vez em que se encontraram, embora ele parecesse mais velho. Aqueles músculos. Naquela época, em 2012, decidiam prefeito e vereador da cidade. Tempos mais tarde, em 2014, tinham algumas escolhas a mais. Presidente, governador, senador... E Mari terminava a lista em ‘rosas brancas ou lírios laranjas para o buquê da noiva?’. Ela estava mais para esse tipo de decisão.
É que era assim mesmo, uma romântica incurável, beirando o desespero brega e a inconsciência das necessidades urgentes políticas e sociais. Voltou ao presente. Mesária pela segunda eleição consecutiva. ‘Pode votar’, ‘boa tarde’, ‘boa tarde’. Um rápido olhar de relance ou dois, para não constranger ninguém. Ficou por isso mesmo, mas, não é como se eles nunca tivessem se visto antes. Para o desespero dela, mais tarde, estaria em casa pensando em bobagens sobre o destino quando a irmã balbuciava para si mesma, passando em frente ao quarto de Mari, ao tom de voz que atingiu aquela esperança idiota antes que ela própria pudesse evitar.
‘Vai ter segundo turno’.
por segundas ou terceiras chances o acaso por um acaso me coloca mais uma vez à você


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