TODAY’S SOUND: ELIA KAZAN POR ARTHUR MENDES ROCHA

Elia Kazan foi outro grande diretor de teatro e cinema, fazendo filmes densos, com temáticas fortes; trabalhando com atores dos quais conseguia arrancar seus melhores desempenhos, tendo fundado o conceituado Actors Studio.

Kazan nasceu na Turquia, de uma família de origem grega, que decidiu sair em busca do sonho de morar na América e ter mais oportunidades.

A família se muda para os EUA, quando ele tinha apenas oito anos e seu pai queria que ele seguisse a mesma profissão dele, mas ele tinha outras inclinações.

Ele estuda em Yale e se junta ao Group Theatre, em 1932, onde ele convive com dramaturgos e atores, treinando o ofício de dirigir, escrever e treinar os atores. As peças eram de temática social e assuntos mais polêmicos. É lá que conhece figuras importantes na sua vida como Lee Strasberg, Harold Clurman (diretor de teatro) e Clifford Odets (roteirista e autor de peças).

Inclusive Kazan começou trabalhando como ator no Group Theatre, até que no início dos anos 40, ele troca pela função de diretor, tendo seu primeiro sucesso com “The skin of our teeth”, estrelando Talulah Bankhead (a grande atriz que era uma das rivais de Bette Davis) e Montgomery Clift (que se tornou galã em filmes como “Um lugar ao sol”).

Kazan se atraía pelas peças com temas sociais, de pessoas injustiçadas pela sociedade, penetrando fundo no lado psicológico dos personagens, na sua alienação e também nas suas implicações políticas.

Para ele, os atores possuíam múltiplas personalidades e ao diretor cabia descobrir se aquela pessoa que ator está interpretando realmente existe dentro dele.

Logo em seguida, ele dirige “Death of a salesman” (Morte de um caixeiro viajante) de Arthur Miller, que também se torna um sucesso e lhe dá seu primeiro Tony (o Oscar do Teatro), tornado-se um dos diretores mais quentes da Broadway.

Foi ele que primeiro dirigiu uma peça do então iniciante, Tennessee Williams (que foi seu amigo nos momentos mais difíceis), autor descoberto por sua mulher Molly Thacher.

Elia Kazan com Tennessee Wiliams

Assim, ele encena “A Streetcar named Desire” (Uma rua chamada pecado), com Marlon Brando (na época um ator iniciante) e Jessica Tandy (que não repetiu o papel na versão para o cinema).

Em 1947, ele funda juntamente com Straberg o Actors Studio, o lugar famoso por treinar os atores com o chamado “Método”, trazendo para a América o método do russo Stanislavski, onde os atores utilizavam suas experiências pessoais para interpretarem com mais força, realizando uma total imersão dentro de cada personagem que eles interpretavam.

No mesmo ano, ele dirige um de seus primeiros filmes, “Gentleman’s Agreement”(A Luz é para todos) com Gregory Peck, onde ele é um jornalista que se finge de judeu para escrever uma matéria sobre o antissemitismo. Apesar do tema polêmico, o filme ganhou o Oscar de melhor filme e deu a Kazan o seu primeiro Oscar como diretor.

Todos os atores da época queriam estudar no Actors Studio, incluindo Marlon Brando, James Dean, Montgomery Clift, Julie Harris, Karl Malden, Eli Wallach, Patricia Neal, entre outros.

Em 1951, ele dirige a versão de ‘A Streetcar named Desire” para o cinema, com o mesmo Marlon Brando e também Vivien Leigh (a Scarlett de ‘E o vento levou”), além de Karl Malden e Kim Hunter (que faria a Zira em “O Planeta dos Macacos”).

Apesar de ter sido considerado por alguns como “teatro filmado”, o filme fez muito sucesso e Kazan declarou que não havia como ele fugir do espaço onde se passa a história, pois é confinada entre quatro paredes.

Mesmo assim, o filme conquista quatro Oscars, incluindo os de melhor atriz (Leigh), atriz coadjuvante (Hunter) e ator coadjuvante (Malden).

Não é a toa que Kazan era considerado o “actor’s director” (o diretor dos atores), pois com ele os atores tinham confiança, ele os encorajava a improvisarem, dando-lhes liberdade, acreditando neles, manipulando seus sentimentos, se envolvendo sentimentalmente no processo e acreditando nos seus instintos.

Kazan com Marlon Brando, Julie Harris e James Dean

Seus filmes podem vir carregados de situações trágicas envolvendo segredos profundos, medo, fracasso, arrependimento, desgraça e muito mais.

O filme seguinte é ‘Viva Zapata”, de 1952, sobre o revolucionário mexicano Emiliano Zapata, com roteiro de John Steinbeck e tendo novamente Brando no papel principal, desta vez carregado de sotaque, e utilizando muitas locações e cuidadosa reconstituição do período. Porém a recepção não é das melhores, acusando o diretor de uma visão romantizada da figura do revolucionário.

No mesmo ano, o diretor é chamado para depor no House Un-american Activies Committee (Comitê de investigações de atividades anti-americanas), onde ele é questionado do seu passado comunista dentro do Group Theatre e acaba delatando alguns ex-companheiros de serem comunistas.

Este ato de Kazan lhe custou a inimizade e a antipatia de muitos colegas, foi um ato contraditório, de uma pessoa que lutava pelas injustiças e que fora obrigado a nomear colegas que tinham simpatia pelo comunismo, é algo que do qual se arrependeu, mas que ele declara que não teve outra opção. Se ele não o tivesse feito, sua carreira no cinema acabaria naquele momento.

Em 1954, ele volta à direção com ‘On the waterfront” (Sindicato de Ladrões), considerado um de seus grandes filmes, uma história que mostra um trabalhador e ex-lutador de boxe (Brando) e sua luta para denunciar a corrupção dentro dos sindicatos nas docas de New Jersey.

Fora uma espécie de resposta de Kazan pelo seu testemunho, dirigindo um filme contundente, focado em problemas sociais, de como fazer justiça e derrotar os corruptos. Usando belíssima fotografia em P&B, acentuando os contrastes entre claro e escuro, diálogos inteligentes, muita simbologia, o filme é uma de suas obras-primas.

Seu sucesso foi tanto que acabou vencendo oito Oscars, incluindo melhor filme, ator (Brando), atriz coadjuvante (Eve Marie Saint) e dando a Kazan seu segundo Oscar de melhor diretor.

Em 1955, ele dirige outro grande filme, “East of Eden” (Vidas Amargas), estrelando o então desconhecido James Dean, naquele que é considerado o seu grande papel. O filme traz para as telas o livro de John Steinbeck, a sensível história de um jovem (Dean) renegado pelo pai, que endeusa o seu outro filho; seria a história de Caim e Abel atualizada para a América do início do século XX.

Kazan fez questão em dar o papel para um ator iniciante, alguém que ele sentia que possuía aquela força interior, aquele algo a mais e ele sentiu isto ao ver Dean atuando em uma peça.

Foi o filme que catapultou Dean para a fama, dando-lhe a primeira indicação póstuma ao Oscar de melhor ator, pois o ator morreria num acidente de carro logo em seguida, atuando em apenas mais dois filmes (“Juventude Transviada” e “Assim caminha a humanidade”).

Seu filme seguinte é “Baby Doll”, baseado numa peça de Tennesee Williams, estrelando Carroll Baker, Eli Wallach (ambos alunos do Actors) e Karl Malden. O filme causou bastante controvérsia na época, pela temática forte que mostrava a tentativa de sedução de uma jovem virgem (Baker) e o próprio cartaz do filme com ela na icônica imagem deitada chupando o dedo. Foi o primeiro filme a ser publicamente condenado pela Legião da Decência.

Além disso, ele continuava a dirigir peças para a Broadway, como as versões das peças de seu amigo Williams como “The Sweet Bird of Youth” e “Cat on a hot tin roof”.

Em 1957, ele dirige um filme visionário, “A Face in the Crowd” (Um rosto na multidão), com Andy Griffith no papel de um desconhecido que se transforma num ídolo da mídia, graças ao poder da televisão. É um filme a frente de seu tempo e que na época não foi reconhecido.

Em 1961, ele dirige mais um grande filme, ‘Splendor in the Grass” (Clamor do Sexo), Warren Beatty (no seu primeiro grande papel) e Natalie Wood, numa história de um amor que não se concretiza, pois a personagem de Wood é reprimida pela família e não se entrega aos avanços de Beatty.

O filme é triste, mas de grande beleza; mostra como a repressão sexual pode devastar uma pessoa.

Kazan dirige Warren Beatty e Natalie Wood em “Splendor in the Grass”

Em 1963, ele dirige um de seus filmes mais pessoais, “America America”, um dos primeiros filmes a lidar com a imigração, assunto ainda tão em voga hoje em dia. É uma jornada de Kazan pelas suas raízes gregas e o seu filme favorito.

No ano seguinte, ele dirige mais uma peça de sucesso, ‘After the fall”, de Arthur Miller, que ficara contra ele após o depoimento anticomunista; mesmo assim a peça é aclamada pelo público e crítica.

Kazan com Arthur Miller

Kazan resolve se aposentar do cinema, mas antes realiza ‘The Last Tycoon” (O último magnata”), de 1976, baseado no livro de F. Scott Fitzgerald e com roteiro de Harold Pinter. O filme estrelava um jovem Robert de Niro, que realiza um ótimo trabalho sob as mãos do diretor.

Kazan dirige Robert De Niro e Jeanne Moreau em ‘The last Tycoon”

Durante os anos 70, 80 e 90, Kazan escreve vários livros, autobiográficos ou não.

Em 1999, ele volta a criar controvérsia quando a Academia decide lhe homenagear com o Oscar honorário pelo conjunto da obra e ele comparece na cerimônia, apesar de vários membros da comunidade cinematográfica se recusar a aplaudi-lo.

Kazan faleceu em 2003, aos 94 anos, de causas naturais.

Em 2010, seu grande admirador, Scorcese, dirigiu um documentário sobre ele, ‘A letter to Elia”:

Apesar de toda a polêmica de seu posicionamento político, da traição a alguns colegas, não se pode negar que a obra de Kazan no teatro e no cinema merece todo o reconhecimento artístico e que ele treinou atores como poucos o fizeram. Seu legado é inestimável para o cinema e seus filmes são a prova maior de que ele fora um grande e talentoso diretor.

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