recados



Não há nada como chegar a casa e espetar-te um beijo na testa, largar o mundo que carrego nas costas sobre a mesa da (nossa) cozinha e correr para me aninhar em ti e na paz que me dás só por existires. Nunca nenhum silêncio me soube tão bem. A compreensão mutua de dois corações que se conhecem e se aceitam apesar das pedras no caminho e das quedas na calçada. Mesmo quando o teu silêncio só significa que não concordas minimamente com as escolhas que faço ou com as palavras que me atrevo (muitas vezes) a largar directamente do coração, para o exterior. Sei ler-te nos olhos a repreensão, o «não devia ter sido assim», sem que sequer me atinjas com o teu tom de voz de homem feito e dono do seu (e do meu) nariz. Encontrar-te teve outro sabor depois de virar o mundo do avesso à procura de algo que se parecesse comigo. Não sabia eu que o prazer estava no oposto. No outro lado da vida, do mundo, da perspectiva. Soubesse eu que existias e já tinha deixado de procurar. Ter-me-ia sentado na minha esplanada favorita, onde se vê e se sente o mar, e esperaria todos estes anos pela tua chegada, cheio de luz, cheio de ti, de sorrisos e de histórias, que me alimentam a aorta com que escrevo e me dão ânimo para continuar. Reconheço-te só pelo andar e oiço-te muitas vezes em bicos de pés para não me acordar. E sabe bem, cuidares de mim. Mesmo quando és tu que me dás e me tiras o sono, quando és tu que comandas o meu humor e me acalmas o coração. Mesmo nos dias em que até me podias amar mais e não te deixo, e fico ali a proibir-te de olhares para mim enquanto olho para ti, de me levares ao colo para todo o lado como é teu hábito, de brincares com a ponta do meu cabelo antes de adormeceres. E prezo essa paciência, coberta dos teus ataques de raiva que pressinto só pelo respirar, e é aí corro para ti com medo que me fujas e não queiras mais ouvir-me cantar-te idiotices ao ouvido; com medo que te canses e já não olhes para os recados que te deixo na almofada com a promessa de que serei mais calma amanhã, quando acordares. Como medo que te vás e eu já não te encontre. Nem me encontre. Que é, afinal, exactamente a mesma coisa.
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